domingo, 18 de outubro de 2009

20 Anos de Jornalismo



O ditador intocável

Se de um lado as matérias causavam asco ao chefe do Poder Executivo Municipal, por outro, os colunistas do Expresso eram seus verdadeiros tormentos. Para desviarmos as saraivadas de críticas de possíveis processos judiciais, o prefeito ganhou um apelido de grande serventia. Passou a ser chamado de "O Intocável". Essa prática serviu para colocar a população bem a par dos seus atos e também para enfurecê-lo ainda mais.

Vez por outra, louco para buscar recursos intimidativos junto à Justiça, Vulmar e seu arsenal jurídico composto por advogados da própria prefeitura, se deparavam com a impossibilidade de abrir processo contra o jornal para se dizer ofendido, tudo porque, precisaria assumir que o "Intocável" estava com sua reputação arrasada. Daí o juiz, na certa, perguntaria: "Mas que reputação pode ter uma pessoa que não existe?".

Estava cristalino: se Vulmar insistisse numa briga judicial dessa natureza, além de não levar nada, pois "Intocável" era um nome fictício, dentro da liberdade de expressão, ainda passaria pelo vexame de admitir publicamente que a carapuça havia se encaixado direitinho. Sem falar na tremenda repercussão que o assunto daria depois de ser editado pelo Expresso e recomentado pelos colunistas Araponga, Tuca Maia e Miguelito.


Seria uma queda de braço, coisa de arrepiar qualquer ditador que se preze, principalmente um da estirpe do nosso Intocável em questão.
Os meses iam passando e o jornal seguia afiando sua editoria para a briga. Por raras vezes, rápidas tréguas aliviavam o Intocável e nos permitia uma conversa franca, mas essa acabava quase sempre em agressões verbais por parte dele ou de seus secretários, como aconteceu certa vez em que a Sandra inventou de ir à prefeitura cobrar um pedido de serviço de sua parte.


Vulmar havia contratado o jornal para fazer-lhe um informativo colorido de suas obras. Naquele tempo, o trabalho e materiais usados nas seleções de cores eram caríssimos e só em Santa Maria havia uma empresa especializada em fotolitagem.
Como uma parte das matérias e fotos estavam em nossas mãos, e tínhamos a promessa de que o referido caderno das obras públicas iria sair, adiantamos o trabalho, terceirizando a policromia. Pagamos a empresa de Santa Maria e, após, a Sandra foi ao prefeito concretizar o contrato, propriamente dito.


Naquela feita, lembro que uma criticazinha de nada fora veiculada, justo no meio tempo da famosa trégua. Pronto! As poucas linhas em desalinho com as vontades do grande chefe bastaram para uma avalanche de palavrões raivóticos a cargo do seu secretário mais "mimoso", o senhor Carlos Humberto Munaretto, então procurador jurídico do município.

Desnecessário dizer que o prefeito Vulmar nem se deu ao desfrute de dialogar muito tempo com a Sandra. Preferiu deixar a artilharia pesada com seu assessor para assuntos de descumprimentos de palavra. Antes de despachar a jovem, olhou o material ali na sua mesa, elogiou o trabalho e depois alegou que não tinha verba para mandar imprimir o tal informativo.


Sandra argumentou que já havia pago por tudo e que ele empenhara sua palavra. Pela última vez, naquela tarde, ele a olhou dentro dos olhos. O que respondeu dá para resumir numa irônica frase, bem ao seu estilo ditatorial:
- Se eu mandei vocês fazerem algum serviço para a Prefeitura, mostre-me o contrato.
Um misto de raiva e angústia dominou a jovem jornalista, que ainda tentou alguma reação, sem sucesso.


Em seguida, a tempestade raivosa de Munaretto caiu como uma bomba em sua cabeça, induzindo-a ao choro e, por certo, a bater em retirada para nunca mais voltar ao "Palácio do Ditador," o qual provara que, de fato, era um intocável disposto a virar bicho à menor palavra que o desagradasse, inclusive ante a uma menina.
Ao ver adentrar na redação aquela moça ainda soluçando, o Júlio Prates e eu tratamos de acalmá-la. Me sentido culpado por tê-la pedido que fosse lá na "toca da onça".


Então, chamei para mim a responsabilidade de combater aquele governo hipócrita e perseguidor, que levava medo a dezenas de subservientes que engoliam de tudo sob pena de perder o cargo.
Aquela expulsão para cima da indefesa garota me revoltou profundamente e me vali do Júlio Prates para engrossar o caldo das críticas, redundando em dezenas de processos e inflamadas entrevistas de Vulmar pela Rádio Iguaçu, onde o diretor Gibelino Minussi o ensaboava todos os meses, sempre iniciando as entrevistas com o binome "meu prefeito".


Naquele microfone, quantas e quantas vezes Vulmar tentou jogar a população contra nós, dizendo que falávamos mal dele porque não queria comprar espaços em "bulas", depreciando a imagem do nosso jornal e, por conseguinte, do nosso trabalho.
O prefeito Vulmar também costumava dizer que, em Santiago, "quando falavam mal de alguém do qual a comunidade gostava, a revolta pública seria terrível", estabelecendo até mesmo um prazo para a nossa queda.


Como as demonstrações de narcisismo não lhe apresentavam resultado satisfatório, chegou aos nossos ouvidos uma conversa de que ele estava enviando gente ao comércio que detinha algum contrato com a prefeitura, para pedir que não investisse no Expresso. Tudo por birra.

Um dia, cansado de só ver críticas em nossas páginas, Vulmar aceitou apoiar outro jornal, O Momento, dirigido pelo são-borgense Wolmer Jardim. Infelizmente, quis o destino que o matutino fizesse jus ao nome e acabou sendo mesmo momentâneo. Durou nada mais nada menos que uma edição.


Até parecia que a maldição expressana estava lançada sobre o pobre e desprotegido Vulmar, que seguia contra-atacando, dizendo a quem pudesse que parte do jornal era subsidiada pela oposição e, que, algumas colunas eram escritas pelo próprio Valdir Amaral Pinto, advogado brilhante e um dos maiores líderes do PP em Santiago, tido como exímio estrategista, principalmente em épocas de eleições.

Diante de seus ataques, me contorcia de raiva por saber que nada era verdade e que Vulmar não tinha hombridade para reconhecer que o Júlio Prates e eu sabíamos escrever. Que eu não tinha enfrentado diversas situações difíceis na vida para chegar aqui e entregar a linha crítica do jornal, o meu maior prazer, a quem quer que fosse. Assim, com críticas de cá e perseguições de lá, fomos em frente apertando o cerco.


A cada tentativa de processo dele, uma coluna saía em sua "homenagem", afinal, para quem estava no inferno, um pontapé no diabo não faria diferença alguma.

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