segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

20 Anos de Jornalismo


Tito Beccon:
o assessor par (a) lamentar

O Expresso deveria estar em seu segundo ano quando eu soube que um vereador santiaguense tinha cargo ligado a Brasília, capital federal. Tratava-se de Tito Beccon, advogado, filho de família tradicional em Santiago, cujos integrantes até viraram nome de rua. Como o assunto ficava no disse-que-disse, nunca busquei me aprofundar, até porque tinha boas relações com Tito Beccon e via nele um bom vereador, um lutador pela cultura regional.

Tudo ia tão bem, para que eu iria fuçar num assunto até então pouco conhecido na comunidade? Quando ouvi os vereadores dizendo que a Câmara de Santiago era exemplo para o Brasil, até me dei ao luxo de acreditar.

Passados alguns anos, veio a eleição municipal de 1996. Tito Beccon não se reelegeu. Mais tarde, procurou o jornal para fazer uma coluna semanal, já que sempre foi dono de ótima escrita e de muito conhecimento. Até hoje ele diz que o espaço Retratos da Vida o ajudou a voltar ao parlamento municipal, fato que ocorreu na seguinte eleição, a de 2000.

Quando faltava pouco tempo para terminar aquela legislatura de 2004, em função de uma eleição da mesa diretora da Câmara, Beccon se desentendeu com seu colega de partido, o vereador Sandro Palma. A inquietude nascera de uma desconfiança de Palma, o qual pensava que Beccon tramava contra ele nas reuniões do partido.

Mais adiante, Palma teria aceitado votar em Nara Belmonte (PP) para presidenta da Câmara, a qual formava chapa com a oposição, porém, na hora “H”, Palma teria mudado seu voto em favor de Leovegildo Fortes (PP), que se elegeu presidente. A fúria dos peemedebistas recaiu sobre Palma, que acabou indo à imprensa na tentativa de puxar podres dos seus partidários, mas quem teve, de fato, seu nome propagado aos quatro ventos foi Tito Beccon.

A primeira denúncia de Palma foi à Rádio Iguaçu. Depois de ameaçar desvendar problemas de um e de outro, assegurou que certo vereador do PMDB recebia um gordo salário da Câmara Federal como assessor parlamentar, sem nunca (ou raras vezes) ter ido a Brasília, onde seria seu devido local de trabalho. Embora não tivesse dito seu nome, ficou cristalino que se tratava de Tito Beccon, que também recebia da Câmara de Santiago, mesmo estando impossibilitado, por razões óbvias, de prestar ambos os serviços (para a Câmara Federal, em Brasília e como vereador, para a Câmara de Santiago) ao mesmo tempo. Pronto! O bolor estava formado.

Era fevereiro de 2004. Eu estava saindo em férias quando ouvi o programa apresentado por Gibelino Minussi, no qual, Sandro Palma proclamava a ruína de Tito Beccon. Mais do que depressa liguei aos repórteres encarregados da edição do Expresso daquela semana e disse para gravarem toda a entrevista e a sintetizar na edição seguinte. Sabia que seria um estouro, pois o jornal iria fazer repercutir muito mais que a fala momentânea na emissora.

O assunto esquentou e, na semana seguinte, mais reportagens, revelando o nome de Tito Beccon, vieram à tona. O que se comentava era o fato dele receber uns 2.300 reais como vereador e mais aproximados sete mil como assessor parlamentar da Câmara dos Deputados, sendo praticamente um funcionário fantasma em Brasília. Sandro Palma seguiu batendo no assunto, e o jornal Expresso lhe dando guarida. A matéria era promissora. E não fomos nós quem a desentocou, mas um membro do partido do acusado, o que nos deixava numa situação privilegiada, com isenção e com autoridade para falar.

Embora já tivéssemos abordado o assunto com boa ênfase, sentia que faltava alguma coisa. Algo para dar mais requinte ao fato. Mas, diante da boa relação com Tito Beccon, acreditei que as reportagens até então já bastavam. Me via prestes a deixar tudo como estava, quando entraram em cena dois colegas de redação: o Márcio Brasil e o Éverton Gerhard. Eles me cercaram dizendo que deveríamos fazer um X da Questão com o envolvido.

Por ter boa amizade com Tito Beccon, fiquei receoso. Como abordar o fato de forma tão escancarada no próprio jornal que ele escreve uma coluna? Mas foi tanta insistência, e sabendo que seria uma boa matéria, dentro da ética jornalística do tratamento igualitário, acabei aceitando a idéia dos colegas e permiti que os dois o entrevistassem.

Talvez alguém possa pensar que essa vontade de querer trazer tudo às claras fosse revestida de algo mais que o simples faro jornalístico. De fato. Certa vez, Márcio Brasil cumpria uma pauta sobre os maiores salários dos agentes públicos de Santiago, e perguntou à queima-roupa ao Tito Beccon, quanto ele ganhava em Brasília. Surpreso com a pergunta inesperada, ele respondeu: “Recebo algo em torno de R$ 2 mil reais”. No entanto, havia rumores de que, já naquela época, o seu ganho era de R$ 6 mil para fora.

Aquilo ficou embargado na garganta do jovem jornalista, que viu naquela hora a chance de desmascarar a indigesta resposta. Pois bem. Já que os dois iriam fazer a entrevista, coube a mim redigir as perguntas. E assim o fiz. Uma pior que a outra. De posse delas, lá foram eles cotucar o homem com vara curta. Márcio conta até hoje, sendo avalizado pelo Éverton, que o Beccon suava a cada torpedo (em forma de perguntas). Resultado: a entrevista saiu destroçando uma série de contradições cometidas por ele, como por exemplo:

- O fato dele ser funcionário da Câmara Federal desde 1979 e depois dizer que só prestava contas de seu trabalho ao deputado que representava. Depois, no decorrer da entrevista, respondeu que deveria existir no Brasil apenas cinco ou seis cargos iguais ao dele. No entanto, disse que cada deputado tinha direito a um assessor parlamentar. Ora! No Brasil, são mais de 500 deputados federais. Será que só meia-dúzia optou por tal cargo?

- Outro fato interessante é que Tito Beccon teria sido encaixado no cargo para servir ao então deputado Ibsen Pinheiro. Todavia, com o afastamento deste, seguiu na função e disse estar prestando o mesmo serviço para outros parlamentares. Mas, o cargo, afinal, era da Câmara, era para assessorar o deputado Ibsen ou a qualquer deputado?
Com tudo isso na entrevista, o assunto ganhou as ruas como um estopim. Choveu reportagem no Diário de Santa Maria, RBS, Rádio Gaúcha etc. Naquele mês era só o que se falava nas prosas políticas da região.

O “caso Brasília” caiu como um bomba e Sandro Palma colhia os louros da situação, enquanto Beccon procurava se defender das críticas em todos os noticiários, o que gerou o fim do seu salário de vereador e um processo tamanho-família, no qual, o Ministério Público pedia a devolução de uns 70 mil reais, dinheiro que o vereador, conforme a Promotoria, teria ganho de forma errada.
Mesmo sem receber da Câmara de Santiago naquele resto de ano de 2004, ficando só com o salário vindo de Brasília, Beccon seguiu legislando até o fim do mandato. Voltando a concorrer em 2004, mas sem sucesso. No decorrer dos demais anos, ao criticado Tito Beccon não restou mais nada a não ser lidar com suas atividade particulares e militar no seu PMDB. Enquanto aguardava o desfecho do processo judicial, ainda foi eleito presidente da Coordenadoria do partido no Vale do Jaguari.

Vieram as eleições para deputado e o amigo de Beccon, o ex-deputado Ibsen Pinheiro, responsável pelo seu polêmico emprego de assessor parlamentar, tornou a eleger-se. Tão logo o deputado assumiu o cargo em Brasília, levou Beccon para atuar com ele. Quanto ao bom cargo, com o polpudo salário pago pelos cofres da Câmara Federal, ninguém mais soube ao certo se o santiaguense ainda está nele, assim como desconhecem o rumo tomado pelo processo que pedia a devolução de todo o salário supostamente mal havido na Câmara de Santiago.

Os mais inteligentes dizem que ele se rebuscou numa artimanha jurídica junto com seu advogado e embaralhou tudo, beneficiando-se da lentidão judicial. Outros, arriscam um palpite de que Beccon jamais devolverá um pila para a Câmara de Santiago e vai acabar mesmo se aposentando no cargo de “assessor parlamentar”.

(do Livro 20 Anos de Jornalismo)

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