segunda-feira, 22 de junho de 2009

LIVRO - 20 Anos de Jornalismo


À espera do tio Valdomiro

Todos os dias eu pegava minha cadeirinha que ganhara da Tia Elvira, em cujas guardas estava escrito “Sou da mamãe, sou do papai, da vovó, da titia...” - e sentava no campo frente à casinha de minha mãe. Fitava o horizonte, bem ali à beira dos trilhos da Vila Rocha, onde ela ainda mora, sozinha, pois nunca deu muito certo com outros homens. Ou não amou ou não foi amada.

Numa bela manhã, ele surgiu. Querido, simpático, atencioso... Meu tio Valdomiro era um homem muito bonito. Daqueles que a minha querida Suzana admira, até com o furinho no queixo... Parecia ser um homem bom. E de fato era. Chegou, abraçou a mãe e, à tarde rumou para Panambi me levando com ele. Depois, Condor e, finalmente, para Capão do Cipó, lugarejo entre Condor e Palmeira.

Lá, o tio Valdomiro morava com sua mulher e a sua sogra, que acabaram sendo também minhas madrinhas. Sim, disseram que eu não era batizado na igreja. Mudaram até meu nome.

Não sei por que cargas d’água passei a ser o João “Chaves” Lemes. Chaves entrou no lugar de “Loredi”, que, de acordo com a versão da minha nova mãe Otelina, esposa do tio Valdomiro, era um nome mais apropriado para cachorro. E essa afronta para meu nome de berço era só o começo. Tantas outras humilhações e castigos estavam por vir.

Mas será que eu merecia tudo aquilo? Logo eu que fui criado até os cinco anos na barra da saia de minha irmã, a Marlene, e que todas as noites dormia agarrado no seu pescoço, dizendo que quando crescesse me casaria com ela? Eu, que era o mimoso da Tia Elvira, do tio Milton, agora me via diante de uma guinada radical em minha tenra vida. Lar novo, tia nova, trauma novo. Iniciava-se ali, aos meus seis anos, um martírio que eu lembraria para sempre. Por 10 anos eu fiquei naquele lar recebendo uma perfeita mescla de amor e ódio que me marcaram para sempre.

Chegando ao cafundó

Na viagem de Cruz Alta para minha nova morada, ganhei uma gaitinha do tio Valdomiro. Ele comprou ali na rodoviária antes de tomarmos o ônibus para Panambi. Durante a viagem, eu só pensava em chegar para poder tocá-la.

Até tentei tocar no ônibus, mas todos me olharam de cara desenxavida. Passamos por Panambi, veio Condor e nunca chegava o tal lugar novo. Descemos na estrada empoierada e seguimos a pé. Logo adiante reclamei ao tio, vendo que coisa boa não era.
- Tio, mas que cafundó é esse que nunca chega?
- Tenha calma, guri! Logo chegaremos.

Sol, poeira e calor era um prelúdio desanimador do que seria a vida naquele longínquo rincão, longe de água potável, luz elétrica e de todos os demais gêneros básicos e confortos que uma cidade oferece.

Já estava pensando na casa da Tia Elvira, quando meu olhar se firmou numa casinha simples, de madeira e com cozinha de chão. Parece que não havia nem pintura, quanto mais um banheiro. Nada, nada. Ao redor, o chão brilhava de bem varrido. Aos fundos, um pequeno pomar e alguns chiqueiros de porco. Ao verem o movimento de gente chegando se prenderam num gritedo medonho.

Esse era meu novo reduto, meu novo lar, na companhia do tio, da sua esposa, a tia Otelina, durona como só ela. Aliás, em 20 anos de jornalismo, entrevistando milhares de pessoas, nunca pude encontrar nome igual, nem pessoa semelhante.

Na mesma casa também morava a mãe de Otelina, a dona Carlota, uma velhinha camarada. Por sinal, minha madrinha querida, que Deus a tenha. De quantas tundas ela me livrou. Devo isso a ela.

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