quarta-feira, 29 de julho de 2009

20 anos de Jornalismo

Eis a famosa tia Otelina.

O vendedor de saco

Mas se na aula eu era tinhoso, em casa era o santinho. Também, qualquer deslize gerava pancadaria. E outra e mais outra, sempre quando meu tio não estava. Às vezes, ele viajava a serviço da fábrica e eu ficava lá, amargando com a tia Otelina que até se obrigava a me fazer companhia e vice-versa.

Não posso condená-la totalmente pelas surras. Havia momentos de carinho também, à sua maneira, mas havia. Mas se numa hora ela era menos amarga, noutras parecia o diabo pedindo serviço. Além das tundas e dos castigos, eu tinha que trabalhar duro, ora cortando lenha para o fogão, ora na limpeza da casa, do pátio e ainda era preciso arrancar tiririca do meio do milho numa lavourinha no fundo de casa. Mas aquele trabalho era doce comparado ao “serviço de rua”, que nada mais era que vender saquinhos plásticos de supermercados (não existia sacolinhas plásticas).
A tia Otelina não jogava os sacos plásticos nas sarjetas como fazem hoje. “Se agachava” a juntar, juntar e, quando tinha certa quantidade, me fazia percorrer os açougues com a incumbência de vendê-los a troco de carne. Mas esperem! Não era carne, carne... eram ossos. Ela brigava comigo se eles não fossem carnudos, que dessem para outra descarnada para os molhos das refeições.

Quando o açougueiro já estava enjoado da minha cara e eu com vergonha da dele, corria lá no tio Milton pedir para ele me dar algum dinheiro para não apanhar em casa por não ter conseguido vender os saquinhos e nem trocá-los por osso.
Minha irmã, a Marlene, também morava na cidade.

Minha irmã era empregada doméstica numa casa de rico. Vez por outra, a “mordida” era nela também. Tudo para salvaguardar minha pele. Todos ficavam apavorados mas não podiam fazer nada. Aquela era minha casa, e o tio Valdomiro e a tia Otelina, meus pais adotivos. Tinham o direito e o dever de me “exemplar” a seu modo. Se bem que o tio nem sabia das vendas pela rua, pois quase sempre estava fora e, se aparecia em casa, de visita, ainda trazia outros problemas para mim.

Primeiro, porque eu aproveitava a sua presença e brincava mais, deixando algum servicinho de lado, aflorando a ira da tia, que iria se cobrar na sua partida. Segundo, porque se ele estivesse sem cigarro, o pato quem pagava era eu, pelas ruas vendendo sacos para abastecê-lo do vício. A tia não podia vê-lo sem cigarro. Ele ficava emburrado, ela, entristecida, eu, saco de pancadas das suas angústias, ficava machucado, lógico.

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