segunda-feira, 28 de março de 2016

A educação precisa falar uma linguagem mais popular

(João Lemes -  jornalista e professor)
A maior riqueza do Brasil é seu povo; a maior riqueza desse povo é sua língua. É por ela e com ela que aprendemos, nos educamos e nos tornamos sociáveis. E quando se fala em língua, entram nessa seara a fala e a escrita. Lembrando que a segunda não existiria sem a primeira, porque tudo que um dia foi escrito há muito já havia sido dito. A diferença é que a escrita mantém viva a história de cada povo, sua cultura, suas crenças. Por isso que ela é o melhor mecanismo educacional.

No início da colonização brasileira (século XVI), os governos não faziam questão de passar ensinamentos ao povo. Para que ler e escrever se nada disso era preciso para se cultivar uma boa lavoura de cana ou de café? Quem não fosse da alta sociedade não tinha acesso a livros. E para piorar, os escritos ainda mantinham o português arcaico, erudito, classista, voltados ao público elitizado.

Anos mais tarde, a escrita se popularizou, mas não o bastante. Apesar do crescimento do mercado editorial, com as facilidades para se editar livros, o Brasil ainda amarga o 60ª lugar em educação, comparado a 76 países (ranking de 2014). Ainda temos 8% de analfabetos. Os números não mentem. Temos que ver onde estamos errando. Por que o país não gosta de ler?

Quando o tema é educação, tocamos sempre na tecla da leitura. E já nos perguntamos: como conseguir mais leitores? Uma das formas é tentar popularizar mais a escrita. Tomamos como base a época do modernismo. Mário de Andrade, por exemplo, está entre os que mais criticaram a gramática, dizendo que era preciso escrever de forma mais semelhante à forma falada. Ele dizia que os antigos e rebuscados modelos eram uma “arte vazia”, não entendida pelo povo. Chamava isso de “ditadura da arte”.

As épocas depois de 1922 foram de grande popularização da linguagem. Essa foi a virtude do Modernismo: deixar a  literatura mais próxima do cotidiano, de uma forma mais ao gosto do leitor. Eles resgataram a raiz da nossa arte, rompendo com as estruturas do passado que mantinham o rebusque na escrita, dificultando seu acesso e entendimento.

Nessa linha de escritores que imitaram mais a realidade está também Oswald de Andrade, que debochava da própria gramática ao enfocar a complexidade da escrita perante a fala. É dele a famosa frase “Me dá um cigarro” em vez de “Dá-me um cigarro”. Ao inverter a ordem do pronome oblíquo “me” o escritor provou que raríssimos seriam os falantes a usar a língua falada desse modo. Veja o exemplo no poema a seguir:

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Linguistas do mundo todo já provaram que ninguém gosta de ler o que não entende. Assim, o dito prazer pela leitura depende muito mais da compreensão daquilo que se lê ou que se pretende ensinar. Aí é que deve entrar um sistema simples, prático, voltado para o aproveitamento da inteligência e capacidade que cada um trouxe de berço, que herdou da compreensão de mundo.

Uma das estratégias para abrir caminho no campo da leitura é levar em conta a riqueza da variedade linguística que encanta cada região brasileira. Afinal, o que é o dicionário se não anotações que brotam do próprio falante? Aqui no sul, por exemplo, temos uma das maiores variedades da língua que vem da miscigenação de nossa gente. Por isso, é mais do que necessário que se reúna esse linguajar para usarmos na escrita.

Outro fenômeno que só se nota no RS é o sotaque castelhano, assim como a incorporação de palavras espanholas ao dito linguajar gauchesco. Essa mistura no palavreado se acentua muito na região das missões justo pela proximidade com Argentina, Paraguai e Uruguai. Nesses pagos se nota um gaúcho que se diz “guapo”, que para nós é sinônimo de forte, robusto. (Para os hermanos significa bonito).

Aqui também chamam de “bueno” ou “buenacho” quem é bom, e de “índio taura” quem é destemido.
Outra característica do missioneiro é a pronúncia do "L". Ele imita o som produzido pelos falantes da língua espanhola. A língua toca bem o céu da boca, permitindo uma perfeita pronúncia. Como dizemos também aqui no sul: o castelhano (e por consequência, o missioneiro) dobra bem a língua. Aliás, isso ajuda a evitar um antigo vício que até os letrados têm: a troca do L pelo U quando escrevem. Esse erro se deve à sonoridade muito parecida entre as duas letras.

Enquanto o resto do Brasil se liga muito na cultura americana, dando ainda mais cancha à língua inglesa, o sulino mescla seu vocabulário com termos espanhóis e diz que isso é tradicionalismo. Prova de que essa influência verbal é seu orgulho. Usamos "peleia" em vez de briga, bem como faz o falante espanhol. O campesino também usa um E bem declarado, outra referência latina. Seja pela música, pela dança, pelo chimarrão ou a bombacha, o gaúcho se mistura, se integra e unifica o linguajar.

O educador que observar bem esses fenômenos, tendo como exemplo o gaúcho missioneiro, passará a adotar uma linguagem mais identificada com a cultura desses povos e, automaticamente, estará facilitando a compreensão dos textos e, com isso, conquistando leitores. A soma de tudo isso será mais gente empunhando livros.  Livros para ler e, principalmente, para interpretar, já que a leitura sem a devida compreensão não fará sentido algum em nossa jornada pela educação.

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